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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mulheres que amaram demais

Uma das prendas que o Pai Natal me trouxe, neste caso Mãe Natal, foi o livro da Helena Sacadura Cabral «Mulheres que amaram demais». Livro este que li de uma penada, num ápice e soube-me a pouco e sobre ele falarei mais tarde. Hoje apenas gostaria de partilhar o que este título, mais que o seu conteúdo, me diz e me faz lembrar. Não há vez alguma em que ao olhar para ele não me venha à memória a minha tia P. irmã da minha mãe. Elas eram sete irmãs (já morreu uma) e esta minha tia era a mais feia de todas elas (sendo a minha mãe a mais bonita). Na aldeia onde nasceram, esta minha tia vivia apaixonada por um moço da mesma aldeia, curiosamente «o mais belo dos rapazes alguma vez avistado» segundo palavras da minha mãe. Todas as raparigas gostavam dele, mas ele, quando deu em gostar de alguém, quis a minha tia. Ela regozijou e a aldeia emudeceu. Namoraram e casaram com ela a nunca acreditar na sorte que lhe coubera. Tiveram dois filhos e parecia muito feliz, embora no silêncio da família todos soubessem das 'fugas' temporárias do meu tio. Ele sempre fora um homem belo e charmoso ela ‘feiou’ ainda mais com o tempo e empederniu como as pedras gastas da calçada. Às vezes aparecíamos para jantar e o prato dele ficava só, vazio, à sua espera com ela a desculpá-lo. Sempre se sentira menor. Sempre se vira como a mulher de um homem maior que merecia toda a vassalagem. Sempre houve nela qualquer coisa de inferior, de esquiva, de redutor perante aquele homem que ela parecia amar cada vez mais. Mesmo quando ele estava cada vez menos com ela o amor dela perecia diametralmente oposto ao desdém dele. Um dia, cansada da luta de quarenta anos de ‘despaixão’, minha tia vai passar quinze dias com minha mãe para desanuviar (cá para mim ela tentou ir buscar mais uma bolha de oxigénio para se manter à tona naquela relação) Em apenas quinze dias ele colou em casa uma mulher a viver com ele misturada com as roupas, os fios, os sapatos, as loiças, as carpetes, os quadros da minha tia. Nunca mais se viram. Minha tia nunca quis confrontá-lo. Ele nunca desejou revê-la. E foi assim que vi minha tia P. despojada de tudo inclusive daquele amor exacerbado começando tudo de novo aos 63 anos.
Este Natal eu lia o livro no sofá e ela pergunta:
 - Filha (que é como sempre me tratou) o que estás a ler?
E eu respondi:
 - Um livro que o titulo me faz lembrar a tia «Mulheres que amaram demais».

Ela olhou para mim, fitou-me uns minutos e disse:
 - Nunca amamos demais quando um só olhar dele nos faz feliz. Ele é que me amou de menos.

Dito isto foi fazer os sonhos de abóbora, amassando a massa num compasso perfeito com as mãos onde, a esquerda, ostenta a aliança que se recusa a tirar.

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