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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

vivo na saudade

Somos de onde viemos. Esta frase persegue-me há anos. Foi-me dita por um anestesista antes de uma operação. O contexto já não me recordo, mas lembro-me bem do impacto que a frase teve em mim, porque se somos de onde viemos, eu não sou daqui.
Esta conversa que pode parecer de loucos e vem à baila sempre que passo uma temporada na minha terra douriense, onde nasci e cresci e de onde saí há 20 anos. Na verdade, já vivi mais tempo fora da terra do que nela, mas o que vivi fora foi tão intenso, tão forte... foi a  construção de uma vida. De amizades. De amores e desamores. Casas e casas. O teatro e o cinema. O homem do café e a senhora da fruta. Os rostos de quem nunca se viu. O gosto pelo anonimato. Os vizinhos discretos e o vizinho rabugento. O senhor da gasolineira sem um dente e a senhora da limpeza. O trabalho. As gentes do trabalho. Os cantos onde li livros. Onde beijei. As musicas que ouvi. O mar. A Marginal. A noite e a manhã. O pão quente em noites de loucura. A filha. Ah, a filha. A minha filha…
Mas a família que lá ficou. O amor que lá me prende. O cheiro do verde e a angustia dos montes. O frio do Marão. Os vizinhos nas janelas. A escola. Os professores. As amigas que já não são. O café frio e a bôla de carne no forno da mãe. O pai. O mano. Os meninos e a sua linda mãe. E a minha mais linda mãe. Mãe. Mãe. E as tias, mães em letra pequena. O colo. O sofá de anos. O gira-discos e a rádio do avô. As gentes de pele castanha e dura. Mãos ásperas e firmes. A velhice a entrar nos ossos em tenra idade.
Já não seria capaz de lá viver para sempre, mas bate uma saudade sempre que de lá saio. E fica uma saudade daqui sempre que lá estou. Como diz um lindo menino de 9 anos: vivo na saudade.
E se sou de lá, também começo a ser de cá, muito.

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