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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Garrafeira do Comendador - devia ser bebida de joelhos

Quando o P. e a T. telefonaram a dizer que tinham um petisco, mais precisamente umas perdizes para a tarde de sábado, não hesitei em dizer que sim. Foi mais que um simples ‘sim’, dei por mim assustada com o grotesco ‘sim’ que saiu da minha boca. Ocorreu-me que caça seria o ideal para a garrafa Garrafeira do Comendador que esperava o dia perfeito para ser emborcado. Foi com alguma ânsia e nervosismo que consegui conter-me até ao petisco. Para já, as perdizes estavam a gritar ‘comam-me’ enquanto a T. falava da semana, dos miúdos, do jardim, do mocho que agora vai lá dormir e o diabo a quatro. Quando começou a falar das perdizes percebi que me aproximava a passos largos para a degustação do pitéu. E que pitéu! A receita, que a T me deu com amor e carinho, é uma receita de família. Tem mais de 100 anos e foi a custo, muito custo, que a sua querida sogra (aqui estou a ironizar) lhe deu. Primeiro começou por lhe dizer que já não se lembrava, depois deu-lhe meia receita e por fim, muito por fim, lá a bafejou com a receitazinha. Coloquei a Garrafeira do Comendador ao lado das perdizes para confraternizarem. Para se conhecerem. Para se entenderem e não me estragarem o palato quando os fosse comer e beber. A amizade funcionou. Abri o vinho e o termómetro (sim, paneleirices dizem vocês, mas a temperatura interfere muito sobre o sabor do vinho e caso não gostasse eu podia ser dizer que era porque estava a temperatura alta ou baixa… arranjar um bode expiatório) marcava 18 grauzinhos. Deviam ser 17, mas com o frio que estava devia baixar um não tardava. E pronto, abri a garrafa, esperei um pouco e deitei para o copo. Havia emoção no acto. O primeiro gole deu-me a sensação e ‘cru’. Acho que pode bem ter sido a minha emoção, gana, ansiedade. Esperei mais um pouco e daí para a frente só me apetecia pegar na garrafa, levá-la para a casa de banho e bebê-la sozinha. Nada de a dividir. Era minha. Minha. Só minha. Houve um momento solene, em que bebo um pouco de vinho e parecia que à volta se tinha instado um sepulcral silêncio. Ficamos as duas: eu a bebê-la e ela a deixar-se esvaziar. O vinho é intenso e o sabor que fica na boca não é demasiado invasor, é-o na medida que deve ser. Parece que pede licença para ficar na língua, no palato. Enquanto entra boca ocupa-a, mas depois de engolido vai-se fininho, como as ondas do mar finas que molham a areia e depois vão-se sem fazer alarido. O raio do vinho é mesmo bom. É aquele género de vinho que devia ser bebido de joelhos. Como que uma ode por tão bem nos fazer.

Ainda vos quero falar das perdizes, mas deixo para mais tarde porque agora só em apetece fechar os olhinhos e reavivar a memória do vinhinho bom que tão cedo não devo beber outro igual.

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