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sábado, 27 de agosto de 2011

Aniversário do tio A


Hoje o meu tio A faz 80 anos. Liguei-lhe e disse-lhe: hein, tio, isto é que tem sido uma vida! E ele sorriu muito e disso: ó pequena, tu bem sabes!
E sei mesmo. Quando fui para Lisboa estudar, no primeiro ano, fiquei em casa dele. Vivia eu, meu tio e minha tia. Era o meu primeiro ano na faculdade e ele irritava-se quando durante uma semana inteira eu não saia de casa e dizia:
 - Que merda de tempos andas tu a viver, pequena? Sai e goza a vida. O mais importante não são os livros que ensinam, é a vida quando vivida.
Ele não era um exemplo a seguir. Tinha traído a minha tia vezes sem fim e um dia, num esgar de vitalidade e loucura meteu uma amiga (segundo ele ‘coitadinha que ficou sem casa e sem emprego e os amigos são para as ocasiões) a viver lá em casa. Primeiro era por um mês e foi ficando até minha tia descobrir o que todos já sabíamos: era uma amante dele. E temos de ver o quão audaz ele era ao meter uma amante a viver com a sua legitima esposa. Mas ele conseguia sempre sair-se bem. Minha tia barafustou e perdoou. Vivem aos beijos e abraços. Um dia disse que precisava da minha ajuda. Assim, às quintas dizia à minha tia que ia comigo ao bingo. Saímos por volta das dez e chegados ao fim do prédio dizia-me: «encontramo-nos aqui por volta da 01h00». E eu que me fizesse à vida que ele desaparecia por entre os carros estacionados como se de um fantasma se tratasse. E eu fazia tempo entre um café e outro, ou cinema ou o diaboa  quatro, que ele não tinha culpa que eu não fosse uma gaja sociável. Era o tio a quem os sobrinhos recorriam fosse por mal de amor, de dinheiro, ou sexo… tinha sempre algo a dizer. Eu nunca precisei dos seus conselhos por saber que ele dir-me-ia o que não me interessava. Um dia, íamos os dois para o norte e perguntei-lhe: Tio, porque raio o tio passa a vida com outras mulheres?
E ele respondeu-me:
 - Porque tu não imaginas a alegria que senti quando descobri que há mulheres que colocam os pés no pescoço de um homem… agora estou viciado.

E pronto, foi assim que passei a saber o que meu querido tio A procurava nas mulheres. Envelheceu. Reformou-se. Foi viver para a terrinha. Comprou um talhão no cemitério. Um para ele e outro para a minha tia: «Uma vida em conjunto não vou permitir que a morte nos separe». E assim fiquei a saber que de alguma forma ele ama a minha tia. Creio que apenas tem pena que ela não seja uma daquelas mulheres que colocam os pés no pescoço.

Feliz aniversário, querido tio.

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