Eis a crónica de Pedro Sousa Carvalho, subdiretor do Diário Económico e que 'apanhei' no blogue Cóco na Fralda:
«O Orçamento do Estado que o Governo vai apresentar hoje é
um naco de prosa. Certamente não vai ganhar o Nobel da economia, mas tinha
potencial para ganhar o Nobel da literatura.
A Academia sueca deu este ano o
prémio, erradamente, ao escritor chinês Mo Yan por conjugar "com realismo
alucinatório, lendas, histórias e elementos contemporâneos". O realismo
alucinatório é uma corrente literária que descreve com uma extrema realidade e
precisão um elemento não real, que faz parte do imaginário e do domínio da
fantasia. E consta que Vítor Gaspar se sentiu injustiçado, já que ele próprio
foi autor de um Orçamento que também combina o realismo alucinatório deste
Governo com uma lenda que reza que a economia portuguesa vai recuperar no
próximo ano, apesar de estar pejada de novas medidas de austeridade.
Na
semana passada, na reunião anual em Tóquio, o economista-chefe do FMI, Olivier
Blanchard, veio comprovar aquela teoria de que um economista é um especialista
que saberá amanhã por que é que as coisas que ele previu ontem não aconteceram
hoje. E Blanchard chegou à conclusão que o multiplicador orçamental que o FMI
usava para fazer previsões económicas estava errado. Os economistas do Fundo
achavam que por cada 1 euro adicional de austeridade, a economia poderia afundar
50 cêntimos. Agora chegaram à conclusão que por cada euro adicional de
austeridade, a economia pode afundar entre 0,9 e 1,7 euros.
Vítor Gaspar
também esteve presente neste evento em Tóquio. E conta quem lá esteve que a
reacção do ministro das Finanças foi: "ups, acho que fiz asneira".
É que os
novos multiplicadores do FMI, transpostos para a economia portuguesa, mostram
que o novo pacote de austeridade de 5,5 mil milhões de euros para 2013 pode ter
um impacto negativo na economia que, no pior dos cenários, poderá ir aos 9,35
mil milhões de euros, ou seja, uma contracção do PIB em 5,6 pontos percentuais,
muito longe da queda de 1% prevista pelo Governo e pela troika (da qual faz
parte o FMI) e muito longe do crescimento de 1% que Gaspar previa há uns
meses.
O Orçamento que vai ser apresentado hoje é um insulto aos portugueses,
um baixar de braços do Governo, um levar as mãos à cabeça dos empresários, um
murro no estômago dos funcionários públicos e pensionistas, uma bofetada à
classe média, um levar as mãos aos céus dos pobres e desvalidos, um fechar as
mãos e rezar dos desempregados. E combina a corrente do realismo alucinatório
com laivos cómicos e surrealistas, aumentando o imposto a tudo o que mexe:
escritores, caracóis, cientistas, periquitos, artistas e bichos-da-seda. E se
não mexer é porque está morto. E se está morto também paga mais impostos. E se
não está morto e finge que está morto é porque é um artista. E os artistas
também vão pagar mais impostos.
O Governo contrapõe e bem: se não querem que
aumente os impostos então digam onde é que vou cortar na despesa? Não sei. Mas
quando os portugueses votaram no PSD pensavam que ele sabia.»
Sem comentários:
Enviar um comentário