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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O direito ao amor, ou ao sexo ou mesmo a uma queca, se assim preferirem


Há muitos anos o Igrejas teve um grave acidente. Ele, que sempre foi muito pimpão, todo cheio de estilo, nada indiferente à maioria das meninas do liceu, viu-se confinado a uma cama. Ficou mais partido que inteiro. Mais danificado do que bom. Vi-o só depois de muitos meses numa instituição para onde o enviaram após o acidente. Foi difícil conter o meu olhar de pena quando o vi. Por mais que me tivessem dito que ele estava em mau estado, achava que estaria bem melhor do que estava. Lembro-me de lhe limpar a baba que lhe caia à medida que tentava falar. Fui vê-lo algumas vezes e numa dessas vezes, já nem sei a que propósito porque o meu cérebro, por vezes, só me oferece flashes de memória, ouvi-o dizer-me ‘sabes do que tenho mais saudades? De fazer amor. Quer dizer, faço muitas vezes na cabeça, revejo umas mulheres que tive e acabo por inventar outras… é o que me resta, não é?’

Os anos passaram e hoje ao ler uma notícia no Público que se intitula «Marcel Nuss – o deficiente que reclama o direito de fazer amor», lembrei-me automaticamente do Igrejas. E não entendo a indignação de uns quantos (assexuados, provavelmente) relativamente a estes assuntos, ou melhor dizendo, eu não entendo como é que alguém se pode indignar com o facto de outrem, por mais deficiente que seja e que num ato consentido, queira fazer o amor. Se calhar, porque se pensa que o amor só se faz com o corpo, quando se sabe que se faz, e muito, com a cabeça. Dizem estes assexuados, que o que este tal de Marcel Nuss deseja é a liberalização da prostituição, se calhar porque para fazer amor ou sexo, ele, que vive confinado a uma cadeira, só consegue pagando. E depois, qual o problema? Porque é que isso incomoda? Porque é que um homem que não desistiu do seu prazer quando o infortúnio lhe bateu à porta, não pode ver uma mulher à sua frente a dar-lhe prazer, ou um homem, se assim fosse o seu gosto?

Eu gostava que o Igrejas tivesse tido a possibilidade de, não tendo quem o amasse ou por ele se apaixonasse, pagar a uma mulher que o fizesse voar daquela sua cadeira de rodas, que o fizesse libertar gemidos de prazer e que, por um segundo que fosse, fizesse o amor sendo que nesse segundo esse amor venceria a sua irremediável perda, venceria, um pouco, os danos que o seu trágico acidente lhe trouxe.
 

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