Dos meus regressos

Ora bem, hoje é dia de, pela hora dos leves cansaços, ir até ao norte, o meu norte, enfiar-me pelo colo dentro dos meus pais, comer até fartar, beber também qualquer coisinha. Tenho amigas que me perguntam se a viagem não me cansa. Pois que não, que a faço há mais de 20 anos e que tive alturas em que calcorreava tanto as estradas que me levavam até à minha aldeia que pensei em colocar no meu carro um poster da Samantha Fox, de mamocas ao léu e colocar uma chapa com o meu nome no tablier do carro por me sentir uma verdadeira camionista.

E sempre gostei da viagem. Há quem faça ginástica, quem coma tabletes de chocolate, quem se enfie no mar a surfar e eu gosto das viagens que me alimentam a alma. Vou ali, com uma música, a pensar na vida. Nunca foi um frete. Nunca me cansou. Até sinto uma leve adrenalina por saber que daqui a nada vou enfiar-me no carro com a minha pipoca em direção ao sol-posto. Gosto tanto que um dia, ao rever o filme maravilhoso de Thelma & Louise com uma amiga (este filme deve ser visto com amigas) ela virou-se para mim e disse que se um dia eu enlouquecesse e o mundo fosse demasiado grande para mim, que tinha a certeza que me suicidaria como elas fizeram: acelerando um carro. Não sei, tal coisa não me passou pela cabeça, mas quando ela disse isto, fez algum sentido.

Gosto da ideia de me deslocar. De ir. De andar. Se ser um ponto em movimento. Gosto da sensação da chegada. Do portão aberto à espera. Das luzes pelo caminho até à garagem. De ver os meus pais saírem do quentinho para me abraçarem mal saio do carro (e de agora me ignorarem e irem logo ter com a neta). Gosto do cheiro do motor de um carro cansado. E gosto de regressar depois de ter o coração cheio. De vir cheia de coisas e loiças da terra. De ter o carro tão cheio que sinto-o mais pesado. De saber que ficaram bem. Que os deixei nas suas vidas enquanto regresso à minha vida. Gosto.