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domingo, 29 de setembro de 2013

Aquilo que nos cura pode estar para lá da medicina


 
Há uns valentes anos, tinha sido chamada a uma junta médica porque, após uma operação à coluna, estava há mais de um mês de baixa médica. Achei, na altura, que eles me iriam mandar trabalhar, coisa que o médico que me operou não queria, mas que eu estava desejosa de fazer. Arranjei-me o melhor que pude e lá fui, esperançosa que me mandassem fazer alguma coisa pelo país. Quando cheguei à tal junta, tinha cerca de dez pessoas à minha frente e todas elas com um ar bem mais desgraçado que o meu. Sentei-me ao lado de uma senhora que estava tão pálida, mas tão pálida que quando ela falou comigo assustei-me. Parecia ter saído da tumba. E eis as sábias palavras da senhora: ‘minha querida, com essa cara toda laroca e pintadinha, não se escapa. Eles mandam-na trabalhar enquanto o diabo esfrega um olho. Quer maquilhagem para disfarçar que tenho aqui na bolsa?’ E a senhora tinha um kit tipo palhaço de onde provinha a cor branca da sua pele, e o preto das suas olheiras. Recusei amavelmente e ela suspirou com tristeza por sentir que eu era um caso perdido. Quando ela saiu da reunião com a junta, vomitava palavrões. Tinha sido levantada a sua baixa e a senhora morta-viva tinha de ir trabalhar. Ela estava furiosa e desavinda com Deus e o mundo. Chegou a minha vez e pedindo aos cinco médicos que me olhavam com antipatia que me mandassem trabalhar, eles mandaram-me para casa o tempo todo que o médico que me operou achasse conveniente. Isto deve explicar o quanto detesto ficar em casa, meter baixa. Mas a verdade é que vamos arranjando maneiras de nos defendermos daquilo que não gostamos, por isso, depois de uma semana difícil no que à saúde diz respeito, sábado (ontem) consegui levantar-me o tempo suficiente para fazer um bolo com a minha filha. Fomos para a cozinha e sob o olhar atento dela, segui os passos da receita, tudo a preceito e a cada passo ela dizia ‘boa, mamã’. Não sei se a minha filha vai ser cozinheira, mas sinto que vai gostar da cozinha tanto quanto eu gosto. E certamente irá recordar, como eu recordo, os momentos que mãe e filha partilham enquanto se pesa a farinha, se partem uns ovos, se espreita para o forno e se vê o bolo a crescer. A minha filha canta para ele porque acha que isso o faz mais docinho. E deve fazer. E para mim bolo rima com Antony and the Johnsons, baixinho, a cantar naquele jeito sublime que só ele sabe fazer. Depois voltei para a cama. Mais feliz. Mais capaz de aguentar as melhoras que, devagar, devagarinho, já espreitam.

 
 
 

13 comentários:

  1. Muita força e muita coragem. É um prazer ler as palavras que escreve com carinho :)

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  2. com tanto cArinho, o bolo deve estAr uma deliciA e tu bem melhor!

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  3. são sempre palavras tão bonitas por aqui. obrigada (e as melhoras) :)

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    1. Oh como isso me alegra! Eu é que agradeço ter quem me leia. Beijinhos ana

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  4. Beijos muitos.
    É um privilégio ser tua amiga.

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  5. as melhoras, Frida!
    beijinhos
    Alexandra (a do Porto)

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  6. As maleitas assim ficam mais fáceis de levar. As melhoras.

    Um beijinho

    Outro assunto, em relação ao pedido que lhe fiz para me dar a morada para enviar as botas, mandei-lhe a mensagem privada como me pediu, recebeu-a?

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    1. helena, não recebi nada. Colocou bem o mail? beijinhos

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    2. Usei o endereço de e mail que vi aqui no blogue. Vou enviar de novo.

      Um beijinho

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