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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O meu Douro


Lembram-se deste post? Este fim de semana fui à minha terra e da minha varanda vi os pais que já não têm o seu único filho, a trabalhar, debaixo de um frio insuportável, naquilo que são as suas vinhas. Questionei o facto aos meus pais na ingenuidade de quem acha que morrendo o único filho já não há motivo para se trabalhar. Acho que o mundo fica ali, parado, sem interesse, sem futuro. Trabalhar para quê? A minha mãe, que sempre foi uma pessoa crua, disse: ‘A vida continua, filha’. Continua? Sim, a vida continua. Há ali, naqueles vinhedos virados a sul, uma vida cruel, fria, simples e dolorosa. A vida que se leva a amanhar os vinhedos que dão o seu fruto uma vez por ano, é tudo menos pêra doce. Tudo se faz de costas curvadas, de olhos no chão, com o frio e o sol pelas costas, a queimar, a gelar. As caras ficam cheias de rugas cedo no tempo. Aos quarenta já se é velho, mas aos setenta ainda se labuta.

Aqueles dois eram dois pontos que avistei da varanda, mexiam-se numa cadência lenta, de bardo em bardo, num trabalho inglório e para ninguém, para nenhum futuro, para nada no horizonte que não fosse apenas o fazer o que sempre se fez, mas agora sem ninguém que continue.

Descobri, este fim de semana, que há nos socalcos do douro as canções alegres que animam as vindimas, mas também há as lágrimas de quem continua mesmo sem motivos para continuar.

7 comentários:

  1. Que triste realidade essa, que nos sufoca de dor alheia e nos mata só de pensar que poderia ser nossa! A arte de bem escrever tem esta capacidade, quase cruel, de nos atingir profundamente. Parabéns!

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  2. Desde sexta-feira não tenho pensado noutra coisa. O Jaime, filho único de uma amiga, amigo e companheiro de brincadeira e de escola dos meus filhos mais novos desde sempre, tropeçou ao chegar do comboio. 16 anos de juventude viçosa se foram, em segundos, ao passar do rápido. Uma mãe que não mais vai voltar a sê-lo. O mais belo parentesco se foi, em segundos, ao passar do rápido.

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    1. isso é horrível. Como é que algo de tão importante se pode esvair num segundo, como? Horivel, São o que a sua amiga deve estar a sentir. Que nunca o tenhamos de sentir. beijinhos São

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  3. Tens mesmo o condão mágico de nos fazeres sentir parte de ti, nem que seja só por um bocadinho. Obrigada pela tua partilha e um beijo enorme*

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