O bloco das sapatilhas de bailarina

Comprei um album da PaperBlanks com uma sapatilha de bailarina na capa em tons de vermelho para escrever uma longa e sentida carta à minha filha. Comprei o bloco quando soube que estáva grávida. O bloco é profundamente feminino. As fitas que deveriam entrelaçar as pernas das bailarinas parecem ter vida. Foi isto que me levou a comprar este bloco: as fitas parecem saltar da capa para nos abraçar.
Achei que ela iria gostar.
E agora não lhe consigo escrever.
Agora fico muda perante todo um mundo de que queria dar-lhe conta.
Agora fico silênciosa quando penso nela, como se o silêncio nos bastasse. E eu não sei se basta.
Precisava de um olhar dela. Precisava de um cheiro. De um toque. Bastava isso para me desmanchar nas páginas em branco. Bastava um pequeno e quase indecifravel grunhido para que toda eu me esparramasse neste bloco que continua de um branco cru.
Queria poder, ter a capacidade de lhe escrever imaginando-a. Imaginá-la e depois descobrir que ela é assim, como imaginei. Mas não consigo. É como se ela fosse gigante, enorme, tão grande que jamais caberia na minha cabeça, na minha imaginação incontida.
É como se ela já fosse mais do que eu. É como se ela vivesse para além desta minha barriga, das minhas entranhas. E cresceu. Cresceu. Cresceu e agigantou-se de tal forma que preciso dela pequenina, no meu colo, aninhada em mim para conseguir falar-lhe. Não sei. Sei pouco, muito pouco deste amor que me afoga de dia para dia. Que me enche para além dos meus limites. Deste amor que já sendo o que de mais importante tenho na vida, me esmaga. Por não a ver. Não a ter. Não a saber de cor.
E eu quero saber-te de cor filha, para te escrever no bloco com sapatilhas de bailarina que te comprei.