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terça-feira, 24 de maio de 2011

o desacordo ortográfico

Como é sabido até porque brami aos quatro ventos fui obrigada a fazer uma formação sobre o novo acordo ortográfico. Ele existe, foi assinado e temos até 2015 para nos habituarmos a utilizar as novas palavras. Muito já foi dito e redito sobre a importância deste acordo: para unificar o português, dizem uns, para cedermos às pressões económicas dizem outros. E creio que são ambos os motivos os validos. O mercado brasileiro é esmagador, tendo em conta o português e por outro lado para quê escrever letras que não falamos, como é o caso de nocturno que passará a ser noturno. O Problema reside em algumas das alterações que foram implementadas segundo o motivo ‘porque sim’. Ai e tal porque é que auto-rádio fica autorrádio? Porque sim. E porque é que mini-saia fica minissaia? Pois, porque sim. E é baseado nesta lógica que vamos ter de decorar algumas formas de reescrever algumas palavras.
Como afirmei em cima, só deixam de se escrever as letras que não se lê, por exemplo: factura – fatura; tractor – trator; colectivo – colectivo e por aí fora. A lógica é fácil: não se escreve o que não se lê. Facto continua com ‘c’ porque se lê, tectónica também, técnico idem aspas.  Pronto, esta é a parte mais consensual, para mim. Depois vem a morte com um tiro à queima-roupa, ou melhor, um tiro no meio dos cornos no pretérito perfeito que simplesmente deixa de existir. A frase: ‘ não ficámos bem’  terá de ficar ‘Não ficamos bem’ e resultado: não ficamos a saber se o tempo é passado ou presente. O que nos resta? Adivinhar, caros leitores, adivinhar que nestas coisas é sempre bom dar azo à nossa capacidade imaginativa.
Depois, e neste caso sentem-se, deitem-se ou tomem uma valente caipirinha, porque o uso ou desuso dos hífens é qualquer coisa para levar o comum dos mortais ao suicídio. Vamos lá com toda a alma:
Manda-chuva  fica mandachuva
Contra-espionagem  fica contraespionagem
Auto-indução fica autoindução
Anti-salazarista  fica  antissalazarista
(…)
Mas microorganismo fica micro-organismo por exemplo.
E outra, cor-de-rosa mantém os hífens mas cor de laranja não. Confuso? Não, isto com um vinhinho do bom leva-se com uma perna às costas. Por fim, para rematar, o verbo Haver também vai fazer um lifting, ou seja, a frase ‘ainda há-de ser muito feliz’  fica ‘ainda ha de ser muito feliz’ tiro no hífen no verbo haver. Porquê só no haver? Porque sim.
E em jeito de arremate deste texto, deixo um pequeno texto escrito por Fernando Pessoa, que foi um dos mais acérrimos defensores do não-acordo de 1945 e daí vemos que nem sempre a mudança é para pior, ou por vezes somos é resistentes à mudança:
« … odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve orthographia simplificada, mas a página mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse».
Ainda bem que evoluímos, certo? E depois não digam que este não é um blogue cheio de utilidade? Cheinho, a abarrotar.

2 comentários:

  1. Com tanta alteração uma pessoa até fica com medo de escrever...

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  2. acho que é ao contrario: com tantas alterações podemos escrever como quisermos que ninguém saberá se estamos certos ou errados

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