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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Amour



Não sei se o maior amor é aquele que sentimos quando temos sangue na guelra ou aquele que aguenta o embate da doença, de definhação do corpo. Não sei bem, só sei que achamos, todos sem grandes exceções, amoroso, bonito, belo, romântico a parte em que juramos que nos vamos amar na saúde e na doença até que a morte nos separe. É lindo. Do mais belo e terno que pode existir, mas o que significa, na verdade, isso? O que é amar na doença até que a morte nos separe?

Não me lembro de um filme tão cru nos últimos tempos como este Amour. Um misto de amor, ternura e dor. Foquem-se, acima de tudo, na dor. Mas não obstante de ser doloroso, não deixa de ser, na igual medida, amoroso.

O filme retrata um casal de octogenários que possuí uma elevada dose de cumplicidade cultural, que gostam de ler o jornal e discutir os assuntos em conjunto, que vão a concertos (foram professores de piano), que possuem uma grande dinâmica relacional. Até ao dia em que ele se depara com a sua mulher com o cérebro, que se repercute também no corpo, danificado por um AVC. Quando ela regressa do hospital pede-lhe que ele nunca a deixe voltar para um hospital, que seja ele a cuidar dela e ele acede, com um amor profundo. Ela piora de dia para dia. Debilitada. O pensamento ora lento, ora inexistente. E ele vê-a, dia para dia, a ir embora. A desaparecer. A definhar. Já não há conversas que superem os danos mentais. Ele fica sozinho ao seu lado e esmaga-o a dor dela, o que a marca, o que a magoa. E isolam-se. E conforme ela vai desfalecendo, ele morre na exata medida, mas de uma forma, quiçá, mais dolorosa. O fim sabe-se desde o início e só por isso se percebe que o fim não é importante. Apenas o meio importa. Apenas aquele espaço temporal em que ele tem de por à prova o ‘na saúde e na doença até que a morte nos separe’, mudando para ‘na saúde e na doença até que possamos morrer juntos’.

Eu, que tenho uma tia, em casa dos meus pais, acamada há oito anos, e uma mãe que diariamente lhe dá comida, lhe dá banho, lhe põe creme na cara, fala com ela como se ela percebesse, faz-lhe perguntas e inventa-lhe respostas, que lhe canta os parabéns, que por vezes desanima, mas na maioria dos dias se anima, vi este filme com um punhal enfiado no peito.

Dolorosamente marcante, mas ao mesmo tempo, tão real que deveria ser obrigatório ver.

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