Ele ia
sempre à sua frente num passo apressado e ela, pequena, perna curta, tentava,
com esforço, acompanhar. Anos e anos habituei-me a vê-los assim, em forma de
comboio descontrolado e periclitante. Ele mal cumprimentava quem via e por quem
passava e ela, sempre a sorrir, gostava de um dedo de conversa que nunca podia
ser longo porque logo ele olhava para trás e sem uma única palavra, apenas com
um frio olhar, mandava-a acabar com aquela treta. E ela nunca se queixou, nunca.
O que me surpreendia era o sorriso constante dela. Não me lembro da sua face
sem ser com a leveza de quem é feliz e nada tinha para o ser. Os filhos há
muito foram para longe do pai castrador ausentando-se da mãe carinhosa. Ficaram
os dois, numa casa cor de rosa, que parecia feliz por fora. Quantas vezes o vi
ir em primazia pela rua, de mãos livres e ela logo atrás, carregada com o fardo
de quem tem terras para amanhar. Que a vida do campo só é boa e leve para quem,
da cidade, diz que aquilo é que é qualidade de vida. Como se os campos se
amanhassem sozinhos e os vinhedos dessem o fruto saudável sem uma labuta
intensa, dura, por detrás e durante um longo ano! Quando ela adoeceu ele não pareceu
ficar sentido com a brutalidade da vida ‘é normal, há muitas pessoas doentes’.
Ela continuou, até que pode, a acompanha-lo numa labuta diária que corrói as forças,
que dilacera o corpo até que caiu por terra. Não aguentou mais. Dele sempre a
mesma frieza. Dela sempre o mesmo sorriso numa face amarela que a doença
imprime. E ela morreu. E ele ficou só. Só. Muito só. Continua a caminhar lesto,
sem sorrir, sem paragens para conversas triviais, mas confessou ao meu pai há
dias: ‘se eu soubesse, se eu tivesse a certeza que a encontrava, acredite que
me matava’. Espero que ela, onde quer que esteja, o tenha ouvido. E dou por mim
a pensar nas formas deformadas que o amor possui.
A boa qualidade de um texto sempre que olhas o mudo à tua volta e te não perdes a relatar experiências gastronómicas ou em adolescentes selfies a aguardar muitos likes.. tenho de dizer isto para que a tua escrita possa revelar a pujança que encerra e não divague por labirintos lúdicos mais próprios da literatura de auto ajuda e de quem perde mais tempo a passear em processo aditivos pelas redes sociais do que a ler livros...
ResponderEliminarJMC.
isto foi um elogio? :)
EliminarUm elogio e um recado..
ResponderEliminarJMC.
Não tão amargo, mas subscrevo. Ainda assim, toda a gente tem todavia as suas fases. A Frida lá deverá ter as suas.
EliminarAbraço meu caro JMC. Beijos, Frida.
ACASO
ai voces, voces, voces... :)
EliminarCarla, não sei se comente o belo texto, se comente o comentador. Vou ficar por aqui. Não sem deixar de dizer que os amigos, por vezes, são assim... sem que essa amizade seja deformada, como alguns amores. Bjs.
ResponderEliminarEu sei que a amizade, quando verdadeira, é mesmo assim: diz-se o que se acha que é melhor para o outro, mesmo que doa:) beijinhos
EliminarEste texto bateu-me. Conheço-os de perto noutras pessoas.
ResponderEliminarbeijinhos, muitos.
EliminarDa minha parte remeto-te para o título do teu último post.
ResponderEliminar:)
EliminarA tua capacidade de me fazeres viajar com as tuas palavras surpreende-me sempre. Não que não esteja à espera, mas porque parece que nunca estou. Também eu conheço de perto estas pessoas noutras pessoas. E também eu espero que ela o ouça.*
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