A rua dos meus pais é uma rua
sem saída. Quem nela entra e a percorre, é acompanhada de vivendas do lado
esquerdo e vinhedo do lado direito. Toda a aldeia foi crescendo nos socalcos,
numa subida e descida que habitua quem lá nasceu e estranha quem a visita. A
segurar a terra do vinhedo num socalco típico, há um muro de xisto cheio de cal.
Nas noites quentes, os meus pais, a rosa, o gilberto, a adélia e o zeca, sem
nada combinado, acabam o jantar e colocam cadeiras na correnteza do muro e por
lá ficam na conversa. Os putos andam pela rua a correr atrás de uma bola, ou de
um gafanhoto. Quando vislumbram um besouro é a loucura. Pegam nele e fazem do
bicho uma pequena e leve aula de biologia. Eu sei porque já fui um desses
putos. Hoje a noite cheira a um verão que este ano não houve. Estou na minha
varanda virada a sul a ver se a brisa me traz o cheiro da maresia. O ar é
quente e eu estou aqui a imaginar a rua onde, certamente, a 400km daqui os meus
pais estão. E rio-me dos putos, descalços em busca de bicharada. E de nas costas
terem o Marão, imponente, de guarda. Não fui ao cinema em pequena, nem à ópera,
nem vi teatro e muito menos viajei para fora do país. Segundo as normas
vigentes, acho que não fui estimulada. Volto a rir-me. Nesta noite na minha
varanda virada a sul, sinto que tive a melhor infância que poderia ter tido. E nem
falei do bolo de laranja da minha mãe e do cheiro que deixava na cozinha e de como o cheiro se
espalhava para fora da casa até à rua onde se passavam os serões, com o Gilberto
a adivinhar ‘então, onde está o bolo, vizinha?’
Sempre que escreves sobre a tua terra, a tua escrita ganha ainda mais cor. Tens que o fazer mais vezes, gosto tanto!
ResponderEliminarMinha querida amiga, não tenho assim tantas histórias que possa alimentar todo um blog. E nem sempre me surgem. Mas quando o passado me ataca em forma de saudade, aqui estou. Obrigada
EliminarE concordo plenamente com a Marta :)
EliminarGosto muito de ler o que escreve.
ResponderEliminarO anoitecer nas aldeias é mesmo isso que retratou, as crianças a correr quase é uma miragem.
Os risos e os gritos há muito que mal se ouvem, resumem-se às férias ou festas da aldeia.
Muito obrigada. Imagino que as noites nas aldeias sejam um pouco idênticas, fiquem a norte ou a sul do país. Um grande beijinho
EliminarA noite estrelada, os cheiros e os sons da bicharada são do que tenho mais saudades, numa infância que também é de uma aldeia transmontana. Levaste-me a sítios... Obrigado.
ResponderEliminarobrigada eu por estares aí a ler o que escrevo. beijinhos
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