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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O direito à tristeza


 Não podemos estar ou andar tristes. Deixamos de ter esse direito. Se a tristeza se abater, temos de a disfarçar com passos de magia porque ninguém quer levar com uma pessoa num dia mau. Temos de, independentemente do que a vida nos traga, ser otimistas e positivos. É o que vos digo, esta coisa do otimismo, do ‘de bem com a vida’, vende como pãezinhos quentes. Sim, é mais fácil lidarmos com as alegrias, mas, expliquem-me, onde colocamos as frustrações se não as podemos carregar?

Se há um discurso que me deixa irritada esse discurso é essa coisa do pensamento positivo. Ai e tal estou com cancro, vá, pensamento positivo. Ai e tal sinto que vou ser despedida, vá pensamento positivo; Ai e tal sinto-me triste, infeliz, deprimida, vá, pensamento positivo. Irrita e irrita-me sobremaneira esta ideia pérfida de tão enganosa de que com pensamento positivo o cancro amaina, o emprego não desaparece e as depressões curam-se. Como se de repente, em pleno século XXI, não nos fosse permitido alguma tristeza e melancolia debaixo da asa ou mesmo revolta por uma doença ou situação que irá revolucionar a nossa vida. Tinha uma amiga que me dizia ‘aos meus dias cinzentos não me interessam os raios de sol’, percebo-a. Eu, que sou uma pessoa positiva e otimista, tenho momentos de acalmia, de cinzentismo, de dor que não podem nem sinta que exigem, um sorriso na minha boca. Mas hoje, o discurso do pensamento positivo é vendável, é precioso. Fazem-se formações e workshops nesta área. O livro ‘o segredo’ que bebia desta terrível ideia de que se tivéssemos pensamento positivo sobre o que desejamos que tal acontecia, vendeu exemplares sem fim… a mim apetece-me mandar à merda dar uma volta, quando, queixando-me das minhas dores, me mandam sorrir e levar a vida de outra forma. Irrita.

Eu, perante alguém que se mostra vulnerável seja por uma doença ou uma outra situação, mostro também a minha vulnerabilidade, mesmo que o máximo que tenha de dizer seja: não sei o que te diga. Por vezes, não sabemos mesmo. E não temos de saber, apenas sentir e dar o nosso colo. Apenas.

3 comentários:

  1. Gosto muito que tenhas escrito sobre isto. Estive aí uma altura em que não me apetecia ser a pessoa que todos lembram, do sorriso rasgado. O sorriso custava-me a sair, sem razão aparente, mas todas as razões do Mundo. Acho que as pessoas interpretam a tristeza como uma falha que temos, como algo que não devemos mostrar, porque isso revela uma fragilidade que não devíamos ter. Magoa-me mais não poder ser quem sou, mesmo sem o sorriso rasgado que todos recordam. Sou humana e isso é ter o direito a estar triste também.

    Obrigada, minha querida Carla. Gosto-te muito*

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  2. As emoções são para ser vividas (boas ou más). O mundo seria bem diferente se mais de nós vivêssemos com autenticidade!
    Eu cá adoro Carnaval, mas máscaras, só mesmo em Fevereiro ;-)

    http://hortelaatrasdaorelha.blogspot.pt/

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