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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

seis anos, meu amor


Algures durante o tratamento para te ter, filha, o Prof. Pereira Coelho disse que tinha 12% de hipóteses de engravidar. Doze por cento em cem. Olhei-o nos olhos e disse: Bem, se assim é, então esses 12% tem de chegar.

Soube no dia da mulher de 2010 que estava grávida e senti que seria de uma menina. Depois foram 8 meses a fazer a história da Cinderela ao contrário: fui-me transformando, lentamente, em abóbora. Mas era uma abóbora feliz e, curiosamente, contra a minha forma de ser, uma abóbora serena. Esperava-te. Intuía-te. Desejava-te. Quando te tive, a anestesia geral não me permitiu ver-te, sentir-te, ser a primeira a pegar em ti e fazer aquilo que vejo nos filmes, tu em cima de mim, ainda suja e eu chorosa, cansada do parto… nada disso. Dormia e quando acordei, já não estavas ao pé de mim. Quando meia chorosa disse ao Fernando que queria ver-te, ele foi buscar-te e, filha, como te posso explicar?, tu eras assim minúscula, um ser mínimo que senti ser maior que o universo. Encostei-me em ti e prometi que em breve, muito em breve, ninguém nos separaria. Prometi que ia tentar ser melhor pessoa. E que ia tentar ser a melhor mãe possível. E tento. Tento diariamente descortinar esta coisa da maternidade que nem sempre é linear. E sei que nem sempre estou à altura. Ou porque estou cansada e tu me queres fresca e livre; ou porque não sei o que te dizer perante aquela tua dúvida, ou porque não estou disponível quando choras na escola; ou porque te apresso quando me queres contar duas mil vezes a mesma coisa e eu tenho algo a fazer… eu sei, filha, eu sei que nem sempre sou a melhor, mas tento, filha, eu tento… Ninguém me suplanta naquilo que estou disposta a fazer por ti. Ninguém. Ninguém me suplanta naquilo que sinto por ti e isso, amor, isso é a nossa maior força. O meu amor por ti é o combustível que me impede de sucumbir a um certo dia-a-dia que às vezes atormenta. Mudaste a minha maneira de estar aqui, neste mundo. Estas sempre a ganhar-me, filha, tu ensinas-me mais, muito mais do que aquilo que eu te consigo ensinar. Olhas o mundo de uma forma que eu já não consigo olhar, mas contigo, vislumbro qualquer coisa. Eu sei que aquilo que te posso dar são asas para voares. Construo o teu caminho e sei que ele te pode levar para longe de mim. É assim. Amar-te não é fechar-te em mim. Não é. É dar-te ferramentas para que cresças forte e capaz de um dia, se assim o desejares, ires mundo fora e viver na plenitude tudo aquilo a que te propuseres. Pressinto que o vais querer fazer. Que te move uma curiosidade e sede de infinito. E quando assim for, eu vou morrer um bocadinho, apenas um bocadinho, apenas um bocadinho, Filha, mas não te preocupes são as saudades, filhas, as saudades de te cheirar quando dormes, de te dizer ‘amo-te’ e de te ouvir dizer ‘ai, mãe, estás sempre a dizer isso!’. Sim, é verdade, amo-te e o raio da palavra não me parece suficiente. Fica aquém. Sabes o que mais gosto, Maria? De quando te enroscas a mim, no sofá, eu com um livro, tu com outro, o nosso David Bowie ou Nina Simone na sala a fazer-nos companhia, e ali estamos as duas, sem falarmos, tu a cresceres e eu a envelhecer… é tão bom! Obrigada por estes seis anos, amor. Obrigada. És uns 12% e tanto!

 A tua mãe.


1 comentário:

  1. Fiquei assim, entre um suspiro e um aperto. Porque é isso. Tão isso. Este milagre de uma percentagem que se transforma em vida. Porque queremos muito. E quando acontece connosco transforma-se o mundo. bjs

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