Deixei, na outra casa, a
primeira vez que ela sorriu. O seu primeiro gatinhar. As horas que passávamos de
mãos dadas na sala, eu no sofá, ela na sua alcofa, a música muito baixa e o sol a
entrar ao de leve. Por lá ficou o seu primeiro quarto, primeiro sem nada,
depois com tudo. O seu primeiro sorriso, o seu riso, o seu gargalhar. Ficaram
lá, e eu sei exatamente onde, a primeira papa, a primeira sopa. Por lá ficaram
os seus desenhos nas paredes. Deixei para trás a sua casa de banho cheia de
bonecada. O seu primeiro dente. As noites mal dormidas e as noites dormidas por
inteiro. Por lá ficaram os seus primeiros 6 anos, que passamos a dois e a três,
a três e a dois. As vezes em que ela rodopiava ao som da música. Os seus pequenos-almoços
com a sua amiga Francisca na varanda. Ficou na outra casa a sua cama de
crescida, a sua escrivaninha, os seus livros e os seus bonecos. Ficou por lá as
nossas histórias contadas em surdina, os risos de horas sem fim, a alegria de a
ver chegar cheia de novidades. Ficou por lá o seu primeiro balbuciar, as suas
primeiras palavras, as frases pela metade e as frases por inteiro. Os seus aniversários,
as horas que passei na cozinha para receber os seus amigos.
Cada um de nós podia ter ficado. E cada um de nós podia ir embora. fui eu. E indo, encontro-me sangue, completamente em sangue. Em carne viva.
Cada um de nós podia ter ficado. E cada um de nós podia ir embora. fui eu. E indo, encontro-me sangue, completamente em sangue. Em carne viva.
Perguntam-me: és ligada aos objetos,
às coisas? Sou. Sou ligada às coisas que contam a nossa história.
E como custa ir em Frente
despida de objetos, da casa que os encerra, da casa que nos conta e receosa que um dia a memória se apague e que nada em mim reste destes maravilhosos 6 anos.
Carla, virão outros seis anos .... que serão igualmente marcantes. E mais outros seis,... Força! Beijinhos
ResponderEliminarbeijinhos e obrigada
EliminarSenti isso quando mudei de casa há uns poucos anos. Felizmente temos tudo (tudo mesmo) em nós. ❤️
ResponderEliminarnão sei... verei se assim é. ainda não sei. mil beijinhos
EliminarComo eu a entendo! Mudei para melhor há 7 meses, mas ainda dói e ás vezes dói mesmo muito. Sinto a falta do meu cantinho, foi naquele cantinho que nasceu o meu filho e onde vivemos 10 anos. A sensação que tenho é que as minhas recordações são órfãs de um lar, porque foi lá naquele sitio e foi lá que fez sentido. Mais anos virão e com eles outras memórias outras recordações, mas aquelas órfãs de lar têm que ficar em prisão perpétua no nosso coração. Um beijinho grande ( e desculpe o desabafo ).
ResponderEliminaré isso mesmo: memorias órfãs de um lar... desabafe sempre. beijinhos grandes
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