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terça-feira, 21 de março de 2017

das separações.






Estou em Amesterdão e o pai da minha filha (ainda não consigo chama-lo de ex-marido) está em Espanha. Perguntam-me com frequência: com quem ficou a tua filha? Por norma, como ando bem-disposta, respondo que lhe deixei 5€ por cada dia e ela desenrasca-se muito bem. Mas depois reflito e penso que as pessoas equivocam-se muitas vezes sobre os limites do que é uma família. A família é a mãe, é o pai, os irmãos, os avós, os amigos… não percebo a dúvida. Depois pensam que com uma separação tudo muda. Muda muita coisa, mas o amor não pode mudar. De cada vez que digo que falei com a minha sogra ou que a minha sogra ficou com a miúda, sinto olhares incrédulos sobre mim. Mas eu não sei como poderia ser de outra forma. Quando me separei tinha de deixar de gostar de pessoas de que sempre gostei? Como é que isso se faz? É automático? É um botão? E porquê fazê-lo? Como é que isso se procede? Um dia gostamos de uma pessoa e no dia seguinte passa-se a detestar todos os membros de uma determinada família? Como é? Tudo o que se viveu vai para o esgoto? Não, não me explique que eu não quero saber!

Nunca conheci os meus avós e a minha mãe sempre esteve dedicada aos filhos numa presença constante. As férias eram com a minha tia Palmira. E quando a minha mãe tinha coisas para fazer ficava com a senhora Emília, uma mulher que vivia no fundo da nossa rua e que tinha duas filhas. Ficava lá com o mesmo à vontade com que ficaria em minha casa. A sociedade é uma rede que podemos saber tecer melhor ou pior, e que serve de apoio, de estrutura. Esta era a minha rede, a da minha filha é outra, bem mais densa.

Tento estar o mais presente possível na vida da minha filha. O pai tenta o mesmo. Mas quando não conseguimos e às vezes não conseguimos simultaneamente, tenho, logo em primeira instância, a minha querida sogra (dizem que sogra é sempre sogra e eu fico muito feliz) que é a melhor avó que a Maria podia ter. Sei que tudo faz e desfaz pela neta. Está sempre presente, sempre. Como se agradece a uma pessoa que aprendeu a mexer no whatsapp e a esta altura já me mandou imensas fotografias da Maria de hoje de manhã? Sei como dormiu e o que comeu. Sei as piadas que ela diz. As brincadeiras que tem. E ouve-me atentamente quando lhe digo que acho que a Maria está a precisar disto ou daquilo. Não tinha de ser uma excecional sogra para a adorar, bastava ser a avó que é, mas tenho a felicidade de ser também uma sogra como não conheço nenhuma outra; e tenho a minha cunhada (curiosamente é para a minha filha aquilo que sinto que sou para a minha sobrinha), a Áua, um  misto de ama, amiga e avó da Maria, a minha querida Catarina que já ficou com a Maria em conjunto com as suas duas filhas (há amigos que se transformam rapidamente em família) e que me perguntou se a queria deixar lá em casa, e se necessário fosse, vinha a minha mãe com as suas couves e bacalhau do norte para cuidar da neta. Ou até o meu irmão, que lá tinha de se levantar mais cedo para levar a sobrinha à escola.

Quando as pessoas se separaram, e atenção que eu sei pouco sobre este tema, apenas tento fazer o caminho o melhor que sei e o melhor que posso, é de salutar que as crianças sintam o seu meio o menos beliscado possível. Basta a separação parental. Se a essa juntarmos a separação total da família e dos amigos (aqui dava pano para mangas… e aqueles amigos que desaparecem de repente? Aqueles que acham que têm de tomar uma posição sendo que a única plausível era não tomarem nenhuma e que depois puf, cadê?) o mundo como o conheceram até então desaparece e com ele a estabilidade de que precisam.

Por isso, as almas atormentadas que estão preocupadas com quem deixei eu a minha criatura preferida, ela está bem e recomenda-se. Como se está quando estamos com quem nos ama acima de tudo.

A Maria com um chapéu que a avó lhe deu

23 comentários:

  1. Outro post espetacular!
    Sou sua fã, está visto...

    Beijocas.

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    1. fogo, grande comentário! Obrigada, mesmo. estou de peito feito. hoje ganhei uma fã! beijinhos

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    2. Gosto muito do que escreve e sigo o blogue por perto.

      Beijinhos e obrigada!!

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    3. adorei as suas palavras. Muitas beijocas para a minha "miúda gira". Um dia, aqui em Tomar se a Maria quiser comer um gelado na minha companhia, será com todo o gosto e cuidado! Jinhos

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    4. carla, agora já não vou a Tomar, mas se um dia passar por lá, fica a promessa. Um beijinho grande

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    5. é tudo muito bonito mas eu vou lhe contar uma história,os meus pais emigraram e eu fui criada com os meus avós que foram excelentes, muito meus amigos, mas tenho que lhe dizer que nunca é a mesma coisa... a presença dos pais é fundamental no crescimento da criança.. estou lhe a dizer por experiência própria porque houve muitas marcas que ficaram. Não estou com isto a criticá la pela sua opção, somente a dar opinião de quem já esteve no lugar da sua filha.

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    6. mas estamos a falar de coisas distintas. Eu saí por quatro dias. acredito que ir para fora e deixar a minha filha entregue aos avós que ela iria sofrer. Isso nem se poe em causa. a minha filha adora ficar com a avó. e acho que ficar com a avo quatro dias não se compara com viver sempre com ela.

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  2. Ahahaha e eu a pensar que ela se safava com os 5 euros!
    Bjnhos

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  3. O texto está muito bonito, verdadeiro e justo. De lamentar só a falta de alguns p e c :-)

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  4. Conhecemo-nos brevemente mas revejo-me em tanto coisa que escreves. É sensacional e este post tocou-me de forma particular. Beijinhos e obrigada por partilhares estas coisas :-)

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    1. obrigada eu por me leres. Também te sigo de longe :) beijinhos grandes

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  5. Segue o teu coração o teu instinto... Beijo grande
    Carla Lageira!

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  6. Querida Carla, sei bem do que fala e hoje 10 anos passados,tudo se foi resolvendo, é ir levando recorrendo sempre que necessário a esta rede de afectos que nos sustenta, a mim e à minha "criatura preferida". se me permite um conselho, sorria e ignore quem disto não sabe nada.Um bom regresso aos braços da Maria, beijinho para as duas.
    E.

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  7. Olá, adorei o seu texto,gosto da sua maneira prática de ver o mundo!Bjinhos

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