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quinta-feira, 30 de março de 2017

dia 30 de março 2017




Se me pudessem ver daí para aqui, viam-me perfeitamente encolhida, livro sobre o peito, computador sobre as pernas e estas encolhidas porque sustêm a minha filha que adormeceu. Estamos as duas no sofá, semi encolhidas e eu mal respiro para não a acordar. Tenho uma panela com água, sal e azeite ao lume à espera de receber uma massa. E deve borbulhar à espera que eu faça alguma coisa, mas estou encolhida e não me mexo para a minha filha não acordar. Ouço daqui a água a saltar. Mantenho-me aqui de pernas encolhidas. Há pouco, quando lia Aulas de Literatura de Julio Cortázar, passava as páginas com uma calma sem precedentes, sem barulho, numa suavidade que até me permitia ouvir o bater do meu coração. Tirei o som ao telefone. Tirei o som à TV. Se tivesse música em casa, apenas se ouviria um Tom Waits, nada mais. E a respiração dela pesada e a minha o mais leve possível para não a acordar. A agua a borbulhar ouve-se aqui, na sala.

Tenho tanto para vos contar! Ontem comprei este livro de que vos falei e hoje trabalhei cada segundo com ele na cabeça. Queria ter a possibilidade de em vez de ter ido para o trabalho ter feito um desvio para um canto e consumi-lo com gana. Este é um livro oral, baseado nas aulas que Cortazar deu em 1980 numa universidade Americana. Então, sendo a transcrição das suas aulas, primeiro quis ouvir a sua voz numa entrevista que deu e que está no youtube; depois, munida do seu tom, do seu timbre, comecei a ler e a magia deu-se: parece que ele está no meu ouvido a dar-me as aulas sobre o que é um conto, o que é um romance, o amor que tinha por Borges (quem não tem?) e de como no seu tempo de jovem ainda não sabia que a missão de um escritor ‘ que é além disso um homem, tinha de ir muito para lá do mero comentário ou da mera simpatia dos grupos combatentes’, ele refere-se à política mundial. Penso que hoje a coisa também deveria ser assim…

Ontem fui fazer um workshop de risoto. É uma luta, percebem? A primeira vez que comi estava em Itália na minha Florença. Não gostei. Tinha ido com uma amiga. nessa noite ela declarou-se. nem sempre o amor é belo, às vezes é incomodo. desconfortável. não desejado. Demorei a voltar a tentar comer risoto. A segunda vez, foi num pequeno restaurante à parte de baixo da minha antiga casa, adorei. ficou 1-1 no marcador. E foi sempre assim: oscilar entre gostar e detestar. Quis ir à luta. Foi ontem, entre uma boa conversa com a minha amiga T e um bom vinhinho, sinto que ganhei vantagem. Percebem? O problema é que ele exige tempo e paciência. Na verdade o tempo mede-se facilmente: 16 minutos. A paciência não se mede: ou se tem ou não se tem.

Receio que a água evapore e eu fique aqui, cheia de cãibras para que a minha Maria não acorde e a panela queime. Se assim for, paciência. 
o meu risoto de cogumelos e espargos

O raio do livro é caro para caramba, mas vale a pena.

2 comentários:

  1. Que lindo! É tão bom e tão necessário aproveitar esses momentos de paz e tranquilidade... também faço o mesmo sempre que posso com os meus filhos. A sensação de paz e pertença é sempre tão grande! Só me apetece ficar ali com eles para sempre...

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