Se me pudessem ver daí para aqui,
viam-me perfeitamente encolhida, livro sobre o peito, computador sobre as
pernas e estas encolhidas porque sustêm a minha filha que adormeceu. Estamos as
duas no sofá, semi encolhidas e eu mal respiro para não a acordar. Tenho uma
panela com água, sal e azeite ao lume à espera de receber uma massa. E deve
borbulhar à espera que eu faça alguma coisa, mas estou encolhida e não me mexo
para a minha filha não acordar. Ouço daqui a água a saltar. Mantenho-me aqui
de pernas encolhidas. Há pouco, quando lia Aulas de Literatura de Julio
Cortázar, passava as páginas com uma calma sem precedentes, sem barulho, numa
suavidade que até me permitia ouvir o bater do meu coração. Tirei o som ao
telefone. Tirei o som à TV. Se tivesse música em casa, apenas se ouviria um Tom
Waits, nada mais. E a respiração dela pesada e a minha o mais leve possível
para não a acordar. A agua a borbulhar ouve-se aqui, na sala.
Tenho tanto para vos contar!
Ontem comprei este livro de que vos falei e hoje trabalhei cada segundo com ele
na cabeça. Queria ter a possibilidade de em vez de ter ido para o trabalho ter
feito um desvio para um canto e consumi-lo com gana. Este é um livro oral,
baseado nas aulas que Cortazar deu em 1980 numa universidade Americana. Então,
sendo a transcrição das suas aulas, primeiro quis ouvir a sua voz numa
entrevista que deu e que está no youtube; depois, munida do seu tom, do seu
timbre, comecei a ler e a magia deu-se: parece que ele está no meu ouvido a
dar-me as aulas sobre o que é um conto, o que é um romance, o amor que tinha por
Borges (quem não tem?) e de como no seu tempo de jovem ainda não sabia que a
missão de um escritor ‘ que é além disso um homem, tinha de ir muito para lá do
mero comentário ou da mera simpatia dos grupos combatentes’, ele refere-se à
política mundial. Penso que hoje a coisa também deveria ser assim…
Ontem fui fazer um workshop de
risoto. É uma luta, percebem? A primeira vez que comi estava em Itália na minha
Florença. Não gostei. Tinha ido com uma amiga. nessa noite ela declarou-se. nem sempre o amor é belo, às vezes é incomodo. desconfortável. não desejado. Demorei a voltar a tentar comer risoto. A segunda vez, foi num pequeno
restaurante à parte de baixo da minha antiga casa, adorei. ficou 1-1 no marcador. E foi sempre
assim: oscilar entre gostar e detestar. Quis ir à luta. Foi ontem, entre uma
boa conversa com a minha amiga T e um bom vinhinho, sinto que ganhei vantagem.
Percebem? O problema é que ele exige tempo e paciência. Na verdade o tempo
mede-se facilmente: 16 minutos. A paciência não se mede: ou se tem ou não se
tem.
Receio que a água evapore e eu
fique aqui, cheia de cãibras para que a minha Maria não acorde e a panela
queime. Se assim for, paciência.
o meu risoto de cogumelos e espargos |
O raio do livro é caro para caramba, mas vale a pena. |
Que lindo! É tão bom e tão necessário aproveitar esses momentos de paz e tranquilidade... também faço o mesmo sempre que posso com os meus filhos. A sensação de paz e pertença é sempre tão grande! Só me apetece ficar ali com eles para sempre...
ResponderEliminarÉ isso mesmo: ficar para sempre! Beijinhos
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