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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Em busca de um mundo melhor

A Dona J é uma mulher que não passa indiferente em lado algum. Já tem idade mas o que sobressai dela não são as rugas, que as tem em grande número, mas sim os olhos verdes vivos, muito vivos, num corpo que treme de forma constante. Primeiro pensei que sofreria de uma doença degenerativa qualquer. Mas depois comecei a ouvir comentários no café que ambas frequentamos que aqueles tremeliques são fruto de torturas várias infligidas pela PIDE por altura do Estado Novo. Foi torturada inúmeras vezes. Obrigada a despir-se e a passear (passear não é a palavra certa) por corredores cheios de homens e com o namorado da altura, mais tarde marido, a ver e, por fim, aquilo que mais a marcou, a impossibilidade de dormir durante dias e dias. Marcou-se psicologicamente. Marcou-a fisicamente. Sobreviveu não para contar. Não lhe interessa a publicidade de um corpo resistente. Interessa-lhe o mundo onde se insere e ainda hoje, enrugada e encarquilhada num balanço constante dos músculos, insurge-se contra todas as injustiças, quer a afectem ou não. É um tanto ou quanto reaccionária. É um tanto ou quanto fanática pelo PCP. Mas acima de tudo é uma mulher que vale a pena ouvir. Ontem não resisti. Sentei-me ao pé dela e perguntei-lhe:
 - É verdade que foi presa política, torturada e maltratada?
E a resposta foi representativa de quem deverei admirar para o resto da minha vida:
 - Isso não interessa, acima de tudo sou uma mulher que sempre lutou por uma sociedade justa. É isso que quero que saibam de mim.

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