Tenho um amigo que diz que não
gosta de ver uma mulher a fumar, bem como não gosta de ver uma mulher a beber
uma cerveja. Acha feio. Nada feminino. Não sei o que ele pensa quando vê uma
mulher a fumar e a beber uma cerveja. Um horror aquela visão, certamente! E ele
até é um tipo dos mais impecáveis que conheço e só por isso, apenas por isso,
não o desanquei quando ele disse tal barbaridade. E dei por mim a relembrar-me
de mulheres que são minhas amigas, femininas até à ponta do cabelo e que fumam
e que têm um souplesse na atitude, no jeito de estar, na forma de
olhar que aquele cigarro só podia ganhar ao estar entre aqueles dedos. E a boca
a beijar a garrafa ou o copo em nada diminui a sua sensualidade. E conheço
vários exemplos. E ri-me com ele. Ri-me porque imaginei-lhe a cara de horror se
me visse a fumar um charuto. Adivinhei-lhe o desgosto no olhar. E voltei a rir.
Ainda pensei em contar-lhe do dia em que fui jantar (já há bons anos) e nesse
restaurante, a dada altura, um tipo com pinta (muita) deixa uma rapariga sozinha
na mesa. Não percebi se tinham discutido, mas percebi que aquilo que tinham
acabara naquele momento. No prato dele ficou um peixe ainda por comer, um vinho
por beber e a rapariga sossegada e sentada a olhar para a porta de saída. A
dada altura, ela que nem era bonita nem feia, apenas bem ‘arrumadinha’ sacou de
um charuto, acendeu-o e ficou ali, em longas golfadas, a fumá-lo com tempo. A
descontrair. Provavelmente, a pensar na vida. No ontem e no amanhã. Continuou a
beber e deixou a comida. E o que retenho
daquela noite foi o jeito, a forma como ela agarrava no charuto e o fumava. Nem
depressa nem devagar. Fumava-o e aquilo pareceu-me uma das coisas mais
excitantes daquela noite. E achei que era linda. Não consegui perceber se ela
estava triste. Tentava olhar disfarçadamente. Recusei-me sair enquanto ela lá
estava. E foi depois, muito depois, que ela se levantou e passou por mim, com
as mãos caídas e as unhas de um vermelho vivo e saiu porta fora. Nunca mais a
vi e nunca saiu da minha cabeça aquela imagem. Gostava de explicar a esse meu
amigo que os gestos não podem mostrar uma gente bonita ou feia. Os gostos não
podem denunciar assim tanto a feminilidade de alguém. É todo um conjunto. É
toda uma fórmula que leva ao sucesso ou insucesso de alguém. Que conheço-as puras,
sem álcool no sangue, sem fumo nos pulmões e uma desgraça de mulheres. Sem aquele
clique. Conheço-as e queria dizer-lhe isso, mas estou em crer que a vida lhe
irá ensinar tal. E eu estarei cá para me rir… rir com ele e não dele, claro, que isso, aos amigos, não
se faz.
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