Em tempos escrevi um texto
sobre Leonard Cohen e a dada altura dizia que ele merecia morrer em cima de uma
mulher. Que essa seria a (sua) morte ideal. Hoje falavam-me desse texto e
veio-me à cabeça uma história real, efetiva e que recorrentemente me assola à
memória por a achar um misto de tristeza e humor, alegria e ironia, coisa em
que a vida é exímia.
Penso muito naquele homem
embora ele nunca tenha feito parte da minha vida. Era uma pessoa que conheci, a
quem cumprimentei sem esperar pela resposta, que lhe conhecia parte da existência,
como todos conhecemos quando vivemos confinados a uma pequena aldeia. Com
filhos e mulher, bem mais bela do que ele por sinal, sabia-se das vezes em que
teve outras, quiçá mais parecidas com o seu estatuto de burgesso. A mulher parecia
cada vez mais infeliz, com aquela face da tristeza que ainda só vi nas terras
do interior e talvez numa aldeia piscatória que eu cá sei, terras onde os
horizontes das gentes acabam no limite da porta de casa. Ele
era de uma gentileza extrema para comigo. Na verdade, percebo porque as outras
se lhe sucumbiam como flores na primavera. Era o sorriso dos vencedores que
tinha e que imanava que lhe dava um certo charme; uma certeza de que com ele
tudo correria bem. Um logro, como podem imaginar. Assim que as conquistava,
perdia o interesse. Voltava para outra. Um predador. Trocava de amante como e
tanto quanto podia. E possuía o andar de motoqueiro sem mota a percorrer todo o
corpo das mulheres quando por ele passavam. Era quase intimidante. Não comigo,
que era uma miúda ainda de fraldas mentais, mas vi-o perante outras a despi-las
e a amá-las com os olhos e as mãos inquietas. Não no sentido sentimental do
termo. Mais, muito mais, no sentido físico da coisa. Como se o tempo que se
leva no entrosamento, no sexo, desse vitalidade, desse anos de vida, fosse o
oxigénio mais precioso. Depois foi o choque, um choque que já seria gigante
numa cidade e que na aldeia teve o impacto de um tsunami: ele morreu em cima da
mulher. Morreu literalmente em cima da mulher. Todos sabem que foi o coração
que não aguentou o orgasmo. Soubemos que morreu assim pela boca da própria mulher.
E disse-o com um sorriso nos lábios. Via-a quase feliz enquanto contava às
vizinhas, às vizinhas das vizinhas, às amigas das vizinhas e às vizinhas das
amigas o sucedido. Feliz pela primeira vez, como que a dizer às outras que ela,
só ela e mais ela é que conseguiu matá-lo e daquela forma tão pungente, tão
crua, tão carnal. Hoje olho para esta história e penso que a alegria dela advém
de lhe fazer de uma golpada aquilo que ele lhe fez durante toda uma vida de
casados: matando-a aos poucos, com outras.
escreves tão, mas tão bem...
ResponderEliminaroh Filipa, obrigada por tão bom elogio. tento mas nem sempre consigo escrever como gostaria. vou tentando. obrigada. beijinhos
EliminarAcredita: Quando li fiquei a "mastigar e saborear" parabens!escreves como os GRANDES. Lindo....
ResponderEliminarque GRANDE elogio. Obrigada Isabel Patrício, obrigada. beijinhos
Eliminar