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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O Botequim da Liberdade - Natália Correia


Natália Correia sempre me fascinou. Aliás, não deve haver por aí nenhuma mulher que apreciando mulheres de espirito livre, não tenha um pequeno e sociólogo fraco por uma mulher como ela. Por isso quis muito ler o livro O Botequim da Liberdade de António Dacosta. Este não é uma biografia da Natália, são fragmentos da sua vida, sobretudo à volta das personalidades que ela conseguiu reunir no seu botequim da Graça. Fascina perceber que as tricas da política não mudaram assim tanto, apenas temos novos e diferentes usuários. Importa focar a mulher, a açoriana de temperamento inconstante, de feitio ora doce ora irascível, que deu dimensão ao lugar; a parte da política nos idos anos 80 e início dos anos 90 e à sociedade portuguesa – esta comunidade de malta ainda profundamente conservadora. Não consigo imaginar que dores terá tido esta mulher que apostava na androgenia dos seres; esta mulher absolutamente díspar daquilo que era aceitável a uma lady de então; esta mulher que pensava, como agora gostamos tanto de dizer: fora da caixa.

Parti para o livro gostando muito dela e, pelo meio, tive algumas desavenças com o seu feitio e as suas ideias. Receei chegar à ultima folha a detestá-la, por ser, de alguma forma, um misto de gente que afirma a liberdade mas que também a coíbe bastando, para isso, não gostar de uma determinada pessoa ou, mais, das suas ideias. Uma mulher que de alguma forma era viperina, insatisfeita, temperamental… temi mesmo deixar de sentir esta coisa que, afinal, ainda sinto. E sinto porque a sua dimensão intelectual foi maior que o seu feitiozinho de gaja. Sinto porque reconheço a sua importância na luta por alguns direitos importantes num Portugal pós-Estado Novo ainda muito obtuso, fechado, receoso e cinzento. Sinto, mas vejo nela alguma normalidade, que não via. De certa forma, este livro restituiu a Natália ao mundo dos mortais, retirando-a do alto do pedestal, o que não é forçosamente mau.
 

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