Não há dia que não visite este
blogue Ana de Amsterdam, e hoje deixo-vos um texto maravilhosa da sua autora:
Enfado
Já o expliquei: escrevo aqui
muita mentira, criei uma personagem que, a muitos, causa nojo, a outros bacoca
admiração; minto, exagero, invento. Vem a conversa a propósito dos homens que
me escrevem a propor casório, a confessar paixões, a pedir encontros e das
mulheres que, supondo-me com um pé lá e outro cá, me propõem o maravilhoso
mundo do lesbianismo. Às queridas leitoras agradeço a sugestão, mas atrai-me o
género fraco, é uma vergonha, bem sei, mas faz-me falta o penduricalho que os
homens têm entre as pernas, é um pedaço extraordinário de carne, um músculo
magnífico, não há vibrador ou dildo que se lhe compare.
Aos homens agradeço a
disponibilidade. Não quero, porém, enganar ninguém e por isso esclareço: não
tenho a graça da mestiçagem, nem o oriental encanto das fêmeas submissas, não
cheiro a canela, nem a cravinho, depois de quatro gravidezes, o meu corpo ficou
de monco caído, ancas largas, celulite, estrias, peitos moles, a última
depressão deixou-me praticamente careca; ou seja, não sendo uma estampa, faço o
que toda a gente faz no mundo virtual, pinto-me de outra mulher a ver se pinga
alguma coisa. Mas, o corpo é o menos, pior o resto: sou fraca de espírito, de
uma banalidade miserável, não tenho opiniões, nem rasgos, sentido de humor ou
vontade. Tenho o dom do silêncio e da fuga e já não é nada mau. A minha
banalidade, tamanha, levou aliás a algumas rejeições traumáticas que partilho
para que não duvidem do que conto.
Já fui rejeitada por um
septuagenário acamado e algaliado, velho brilhante, meio poeta, dândi, lia-me
com devoção, andou durante meses a cortejar-me, falava do Luiz Pacheco, do
Alberto Pimenta, do Manuel da Silva Ramos, não lhe resisti. Pois o estafermo do
velho, no dia em que o visitei num apartamento na Passos Manuel, com um açafate
de frutas exóticas para lhe oferecer, depois de meia hora de conversa, não
escondeu a desilusão, sentia-se ofendido, enganado, rejeitou-me, truculento,
explicou que dispensava futuras visitas, de resto, a brasileira, de rosto
carunchoso, que lhe vinha dar banho uma vez por semana parecia-lhe companhia
mais interessante, chegava-lhe bem, sabia várias modinhas nordestinas e tinha,
além do mais, mãos maravilhosas para ensaboar e esfregar. Fiquei mortificada,
branquinha como a cal, imaginava que para um quase morto a quase juventude de
uma balzaquiana era irrecusável. Pedi desculpa, deixei o açafate de fruta em
cima de uma cómoda de pau-preto e sai dali, lacrimante. Curada da humilhação do
velho, procurei consolo num anão que começou a escrever-me no outono. Homenzinho
vivaz, escrevia com desassombro. Disse-me logo que era anão, brincava com a sua
pequenez e não se cansava de gabar o tamanho do seu instrumento erecto. Aquilo
despertou-me a curiosidade. Marcámos um encontro. Após alguns almoços num
restaurante perto do Poço do Borratém, o pobre não aguentou mais as minhas
conversas. Tentando esconder o enfado, era um anão educadíssimo, explicou que
se despedia de vez, tivera uma proposta de emprego no estrangeiro, embarcava no
dia seguinte para a Argentina onde os anões eram muito apreciados na indústria
pornográfica. À despedida, não subiu, como era costume, a uma cadeira para que
o beijasse, tive de me agachar para lhe dar um casto beijinho na testa. Fiquei
a vê-lo, tortinho como um caranguejo, mancando, o peso do magnífico pénis
puxando-lhe o corpo para o lado direito.
Muito bom! Obrigada pela partilha... Mais um blog a seguir. Bjnhos
ResponderEliminarEsse é que é o blogue que deve seguir. Quando o descobri, li todo o blogue em três dias. Li-o como se lê um livro. É maravilhoso. Boas leituras. Bjinhos
EliminarMaravilhoso. Assim é a raça humana, quer que lhe lhe despertem o espírito, mas na hora da verdade é para o corpinho que reparam.
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