Um dia li um livro de uma mãe que
perante a morte da sua filha pensava que ela poderia ter frio no cemitério. Hoje
penso na minha tia lá, sozinha, naquele alto tão gélido e não consigo deixar de
chorar, de sentir uma dor que parece que se afunda na garganta… estou só. Sinto-me
só. Penso no frio que a minha tia estará a sentir.
A minha filha ficou com pai e deixei o meu
irmão na sua casa e cheguei aqui, pousei a mala no corredor e deitei-me no
sofá. Sinto os ossos a romperem a carne. A cabeça parece que vai rebentar.
Penso na minha mãe que perdeu a sua irmã querida. Durante 14 anos, desde que a
minha tia tivera um AVC, que a minha mãe a levou para casa e cuidou dela, ano
após ano, mês após mês, dia após dia e hora após hora. E teria cuidado mais 14.
Ainda ouço o meu pai a dizer que a minha tia nunca esteve a mais lá em casa.
Não esteve mesmo. Ocupou o quarto de solteiro do meu irmão e a minha mãe
revestiu as paredes azuis com santos e mais santos encimados por Cristo na
cruz. Houve um cuidado que nunca abandonou. Ainda vejo a minha mãe a fazer-lhe
festinhas na face e a dizer ‘ então, mana querida, não comes?’. Era isto num
tom doce. O tom doce que a minha mãe tem quando ama. Agora minha mãe ficou lá a
disfarçar que é forte, que tudo aguenta, que consegue ir em frente. E consegue.
Conseguimos, mas já não se vai de igual forma. De igual modo. Tropeçamos no
caminho. Já doi a alma. Ouço Todd Terje e acho que me vai dar para fazer um chá
e ir para a varanda olhar para o céu e ver a estrela mais brilhante e dar-lhe o
nome de Ilda como disse à minha filha que a morte funcionava: Saímos daqui e
flutuamos até ao céu, como aqueles balões que tu tanto gostas, onde nos transformamos na estrela mais brilhante. Dá vontade
de rir, não dá? Mas as crianças tudo aceitam…
Ainda ouço a minha tia a perguntar-me ‘a miúda?’. Eu já não importava, apenas a miúda
importava. Só a miúda. E a minha filha pendurava-se na cama ortopédica, de onde
a minha tia não saia, e perguntava ‘tia, não sais daí?’, e a minha tia, com o ar
mais convincente deste mundo, metida num esqueleto atrofiado por 14 anos sem se mexer e dizia: ‘saio,
claro que saio, vais ver que já te apanho’.
Que imagens bonitas, mesmo no meio de tanta dor.
ResponderEliminarUm beijinho
Filomena C
beijinhos grandes e obrigada
EliminarHá mt tempo que sou fiel leitora do seu blog, nunca comentei, mas hoje comovi-me mt com o seu texto.Infelizmente a morte têm estado mt presente na minha vida, pôr essa razão compreendo tão bem a sua dor. Em julho de 2016 perdi o meu irmão que sofria de esclerose lateral amiotrofica e em Dezembro de 2016 perdi o meu pai,ainda estou a recuperar do choque,mt força e um grande beijinho.
ResponderEliminarMatilde, nem imagino a sua dor, não imagino mesmo. espero que dia apos dia a dor se atenue. nem sei o que lhe diga... apetecia-me dar-lhe um abraço agora. beijinhos grandes
EliminarLamento a perda da sua tia, eu senti isso em relação ao meu pai num dia de trovoada forte, senti-me impotente ele ali à chuva deitado, aquela chuva forte, foi um sentimento de revolta, foi tão estranho. Ler este texto levou-me para aquele dia.....e eu não soube o que fazer....
ResponderEliminaré tão irracional e ao mesmo tempo tão racional. A emoção tolda os sentidos e pensamos nas coisas mais estranhas... beijinhos
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