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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma trip de heroina

Meu querido,
foste embora para sempre. Há quanto tempo não nos víamos? desde a última festa familiar que tu, mesmo não sendo família, sempre foste. Ficávamos ali a remoer os tempos de adolescência e juventude em que saímos, partilhamos vivências, saberes, crescemos juntos e riamo-nos do tanto que tínhamos vivido. Lá em casa tinhas um quarto e meus pais eram para ti como pais. E vivíamos assim, paredes meias com uma relação de amizade e de irmandade. Depois, bem mais tarde, veio a puta da heroína. Essa porca imunda que começou por te levar aos poucos e nós, na senda de te salvar, fomo-nos desgastando. Querias sair. Depois não querias. Depois querias e foi assim, anos após anos. Um vai e vem que nos ia deixando loucos. Das últimas vezes que te vi, na verdade já não te via. Eras tudo menos tu. Mas sempre me custou deixar-te lá, nesse mundo estranho, de malta que se entrega por completo à alucinação da não-vida. Ias e vinhas. E agora foste para sempre. E agora queria muito que estivesses aqui, a dizer-me que tinhas coragem para te safar e com isso safares os anos e anos, uns 12, em que vivemos na doce loucura da juventude. Lembras-te do casamento do meu irmão em tua casa? Tão bonito! Para onde foste, amigo, para onde foste que nunca mais voltaste? Que te deu essa vaca que não tenhas tido em nosso abraço? Nossa companhia? Sempre quiseste voar. Dizias que querias ser pássaro. E ontem foste, um pássaro triste, dentro de um carro onde, para sempre, viveste os teus últimos minutos.
Onde quer que estejas, meu querido amigo, que estejas em paz, finalmente. Adoro-te. Falarei de ti ao teu afilhado para que nunca se esqueça que tinha um padrinho fantástico, porque o que me fica de ti, são os teus abraços quentes, os teus olhos meigos e a doçura com que me chamavas mana.
Tua sempre,
mana

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