Páginas

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Pessoas normais, vidas diferentes # 1



Filipa Elvas, Queen of China



Filipa Elvas, foto gentilmente roubada à irmã, Vera Elvas


Isto de se ter uns aninhos de entrevistas em cima do lombo faz com que, em grande parte das vezes, saibamos, no primeiro minuto, que género de entrevistado temos à frente. Às vezes temos de fazer uns jogos para que a coisa corra bem, ou se quiserem, para que a coisa não corra mal de todo, mas outros existem que a entrevista passa a conversa e debulha-se um rol de passado e sonhos futuros com muita vontade e satisfação.

Quando a Filipa Elvas me chegou para uma entrevista (que saiu numa outra revista), eu soube, no segundo seguinte, que iria gostar dela, que iria ser uma boa conversa e que os anos que tivesse pela frente não me iriam deixar que ela entrasse no esquecimento. Agora, que escrevo quase dois meses após essa conversa, sei que jamais me esquecerei. E fosse eu brasileira diria: mesmo, né!

 Da Filipa todos sabem o feito: a primeira e única mulher a acabar a maratona da Grande Muralha da China. Olhamos para os jornais, para a televisão e vemos uma rapariga (vá, miúda) franzina e acabar a prova, a passar a meta com a bandeira às costas. Ela fez toda a dura prova de bandeira de Portugal às costas. Fosse eu e não só não fazia um terço da maratona como a dada altura, com a gana, com o cansaço, com os pulmões a saírem-me pela boca, estou certíssima que mandava para as urtigas o raio da bandeira. E não é que não seja nacionalista, que até sou.
Filipa conta que o seu primeiro impacto foi quando se deparou com o primogénito degrau. Pela descrição, chamar degrau a uma coisa do tamanho de uma máquina de lavar a loiça é uma metáfora. Para mim, o que a Filipa teve de fazer foi subir e descer muros. Muros e mais muros. E ela subiu. E ela desceu. E nos entretantos correu. Bandeira às costas, obstinada e focada no fim, na meta. Quem ultrapassasse as oito horas era desclassificada, era como se tivesse corrido para o boneco. Filipa sabia que tinha de passar as passas do algarve para chegar ao fim em menos de oito horas. E lá foi. Pelo caminho foi vendo os que ficavam para trás, homens e mulheres, no limite do suportável e a dizerem: good luck Portugal! E ela continuava, no seu tão típico silêncio. ( Vamos lá abrir um parenteses aqui: Filipa nunca corre com música, nunca. Ela gosta de sentir o barulho dos pés no chão, o embalo do coração no peito, e rever a cara dos que ama na cabeça. É assim que corre. Depois um relógio de 7 euros no pulso que comprou na sport Zone e os calções velhos, mais uma t-shirt igualmente usada, cabelo apanhado e lá vai ela, a nossa pequena  - GRANDE - mulher. Fechar parenteses). E chegou ao fim. A única mulher a conseguir. Filipa ajoelhou-se e chorou. Foi a forma que teve de explodir que nem um foguete. Chorar e chorar. Nesse dia à noite mandou um email para a família. Falava da emoção que sentia. De como os tinha sentido perto. E com isto ela quis dizer o quanto os amava. Foi, também, a forma que ela teve de festejar com eles, através de um e-mail, de palavras para sempre ditas. E agora uma pausa. Estamos aqui, só nós as duas. Talvez nós os três: eu, a filipa e o leitor e nesta intimidade a Filipa disse algo que me ficou a pairar: sabes, nunca temos tudo na vida. Calei-me. O leitor calar-se-á também, certamente. Este é um desabafo íntimo, dela, que apenas ousou fazê-lo como descarga emocional. Porque na Filipa é tudo mais sentimento que razão. E nela fica provado que a emoção, quando bem utilizada, quando bem alimentada, vale mais, pode mais, é mais forte que a razão fria e pura. A Filipa, por si só, aniquila uma serie de ideias pré-feitas. Uma delas, a primeira que cai logo por terra é que é preciso um longo historial desportivo para se conseguir o feito que ela conseguiu. Esqueçam lá isso. Sabem o que é preciso? Vontade e determinação, misturado com uma cabeça obstinada. Filipa corre há dois anos. Não, não é erro meu, quis escrever mesmo ‘dois anos’. E é ela que o diz ‘todos nós conseguiríamos mais coisas se as julgássemos menos impossíveis’. Tomem lá que é para aprenderem. Filipa tem uma vida normal e é uma rapariga normal. E esta normalidade estranha-se, porque cria-se a ideia de que vamos falar com alguém cheio de tiques e manias, alguém com uma estrutura física que nos fizesse logo compreender as suas metas e vitórias, mas não, a Filipa é franzina, feminina, bonita, voz rouca e de sorriso fácil. É funcionária da TAP (com muito orgulho, atestei) e vive paredes meias com o Jamor, seu ginásio ao ar-livre. Irmã gémea da Vera (a minha querida Vera, permitam-me este comentário menos profissional, mas isto é um blogue sem pretensões a ser mais do que isso), filha dedicada e tia babada. É tão normal, mas tão normal que, durante a nossa conversa tive vontade de lhe perguntar se ela é mesmo aquela que passou a meta da dura prova na mítica e única Muralha da China.

Obrigada Filipa, por tudo mas em especial pela inspiração.
 
 
 

 

4 comentários:

  1. Muitos parabéns à Filipa. As suas palavras fazem-me, também eu, gostar dela.

    Que feito! Parabéns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ela é realmente encantadora! Obrigada Helena pelas suas palavras. Fique por aqui... Bjs

      Eliminar
  2. Muitos Parabéns à Filipa, mas principalmente muitos parabéns a si por publicar isto!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ligia, obrigada pelo seu comentário. Fique por aqui porque estou a organizar mais testemunhos de pessoas assim, unicas. Obrigada por me ler. Beijinhos

      Eliminar