Páginas

domingo, 12 de outubro de 2014

entre o tema raça e o tema carapinha, a minha vénia


 Demorei a pegar-lhe. É um livro grande. Assusta um pouco quando o tempo que se tem (que tenho) para ler, ou o ócio, é cada vez menos. Temia o que imaginava, por tudo o que já tinha lido, que iria acontecer. E aconteceu. Peguei-lhe e não o larguei mesmo em sítios onde era suposto largá-lo. Mas aconteceu-me  a capacidade que o ser humano adquire quando o tempo escasseia - aumenta a sua capacidade de o fintar. Americanah da Chimamanda Ngozi Adichie é, sem sobra de dúvida, o melhor livro que li este ano (bem, na lista não posso colocar o Cozinha Confidencial de Bourdin porque é o mesmo que comparar chocolate com marisco). Vivi numa terra marcada pela emigração. E a emigração só é leve para quem não a viveu de perto, quem não a cheirou. Estar-se num sítio que se ama mas que não nos dá o que necessitamos e partir vestidos de dor, de saudades e muitas vezes de desamor, é uma provação de vida. Adichie descreve de uma forma única, intensa, forte o que é essa coisa de se fazer à estrada para um sítio onde, muitas vezes se está num patamar que pouco os distingue dos animais. Ser-se invisível numa rua movimentada. Fazer-se trabalhos que se assemelham à mais pura da exploração e depois este livro é uma mistura deliciosa entre essa dor, esse confronto cultural e a dificuldade que a protagonista tem, ao ser preta e ter carapinha, de domar o seu cabelo. A mim atrai-me sempre as atitudes, a sociedade, as massas, e de como se criam mares de distância entre raças mesmo que à distância de meio metro. É um livro que devia ser obrigatório em todos os cursos de sociologia, em todas as casas onde residem racistas, em todas as terras onde as raças coexistem com dificuldade. Porque ele mostra, ao fim e ao cabo, que nada nos distingue. Nada. Em absoluto, nada. Mas isso eu já sabia, não sabia é que era possível ser falado com humor e com tal sagacidade.


 

4 comentários:

  1. fiquei curiosa.
    Cortei relações com um familiar por causa do racismo. Ninguém entendeu. E eu achei que não era preciso explicar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É isso mesmo: como se explica o nojo que se sente pelos racistas?! Acho que fizeste muito bem duplamente: no corte e no não-explicação. Quanto ao livro, é MARAVILHOSO! beijinhos

      Eliminar